terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Tô rindo?

Maria,


Ontem encontrei um velho amigo, dos tempos de escola, amoçamos juntos. Ele está de passagem, porque mora longe. Veio aprender mais da profissão, e ele tem quase 60, Maria. Ainda aprendendo. E a gente achava que haveria um momento em que tudo já teria sido aprendido!

Contou dos filhos. A menina seguiu seus passos, casou, separou, casou de novo, deu-lhe netinhos. O outro viajou, voltou, formou, e lhe deu um neto que nunca conheceu. O mais novo namora a mesma moça desde os 12 anos e agora vão se casar. Sua esposa, sim, a esposa do meu amigo, é uma companheirona. Mudou-se com ele, sempre com alegria, para todos os lugares para os quais foi a trabalho, fazendo malas, empacotando as lembranças.

Eles são felizes, são ousados. Lembramo-nos dos almoços em marmitas, das brincadeiras na sala de aula, das noites viradas sobre os livros, e rimos meio conformados, porque se nem tudo foi como imaginávamos é porque a vida é assim mesmo, mas é boa, apesar de tudo.

Como dizia aquela música que você cantarolava na semana passada : "vamos dando risada que a vida nos chama não da pra chorar (...)"

Um beijo,
Judith.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Mentira

Quanta gente feliz!
Feliz e confinada que é pra ninguém sentir o cheiro.
Vamos só nós, sempre sós, pra que ninguém veja o tamanho dos buracos.
Sem paredes e de porta sempre fechada, pra que nos misturemos, mas só uns com os outros e nunca com nada lá fora.
Gás vazante, esperando por qualquer faísca, luzes apagadas, velas engavetadas, não podemos correr riscos.
“Os mais importantes somos nós!”. Nós nunca desatados, uma dívida sem fim.
Palavras pobres, prioridades podres.
Sorriso no rosto, porque ser bom é o que interessa.
Quanta gente infeliz...

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Mulheres

Girassóis são para mulheres.
Atrapalhada, com mãos abrutalhadas, tiro pétala por pétala.
“Mal me quer, mal me quer, mal me quer, mal me quer,....”.
Rabisco o rosto de Jesus, com traços infantis. Pergunto a ele todas as noites, enquanto quase durmo: Insisto?
E ele disse que mesmo que meu pai e minha mãe me abandonarem ele me acolherá.
Pego carona nas asas de Fênix, renascendo das cinzas, e estraçalho o girassol.
"Bem me quero, bem me quero, bem me quero, bem me quero,..."

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Rodoviária

Há um mijo parado, curtindo, enlodando, que não sai do lugar. Corrói e fede, progressivamente.
Na rodoviária são todos passantes.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Boticão

Começo com mão no rosto e pouco riso.
Tento disfarçar as falhas com malabarismos invisíveis, mas elas me escapam.
Outro dia Lúcia me contava de quando era menina. Nem perguntaram seu nome e já foram assim, arrancando seus dentes, e dando beliscão no braço em seguida, pra esquecer da dor na boca.
Hoje tem de mentira.
É dos de mentira que me valho, como Lúcia. E é com os de mentira que a gente se vira, do jeito que dá, na vida, fazendo malabarismos no escuro.
Termino pintando de coral a boca sem dentes e gargalho com todos à mostra.
Os de verdade e os de mentira.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Midnight, aqui mesmo

Eram os mesmos sofrimentos há tanto, às vezes travestidos, mas os mesmos...
Uma dor de existir, uma depressão sem remédio, sem desejo.
Botava a culpa na escolha de fazer a vontade de Deus, citando palavras de um amigo: "Para toda escolha há uma dor. Para a escolha certa a dor vem de resistir ao prazer agora para um grande ganho mais tarde. Para a escolha errada há o prazer agora e uma longa dor depois."
Não percebia que não se tratava de Deus, mas de seu eterno adiamento da realização de suas paixões. Da desistência dos sonhos, ou de qualquer pequeno plano, pra nunca ser aquela que pode até fracassar, mas porque foi.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Nota do autor

Este blog não se pretende constituir um livro de verdades (apenas as minhas, é claro, pois a verdade é de cada um).
Este blog não contém nenhum ensinamento ou histórias com morais quando acabam.
Este blog é apenas uma tentativa de afastar os demônios, que, nos meus sonhos, aparecem como dragões chineses feitos de papel de seda.

As tais luvas azuis

Queixava-se incessantemente, dizendo ao mundo que a vida era seu algoz. Queixava-se das luvas azuis nas quais ela não queria caber, do desinteresse da outra por seu suflê de amêndoas e seu tocar de flauta.
Queixava-se das poucas refeições feitas por dia, não pela falta de comida, mas pela falta do tempo que dizia não conseguir se dar.
Queixava-se dos anos, mais perdidos que investidos, em todas as coisas que não queria.
Tudo isso em nome de todos aqueles que não a davam em troca.
Troca.
Troca tudo.
Troca e vê que também te oferecem suflê e você é quem não quer.
Troca e ouve a sinfonia feita com todos os instrumentos do Universo que compuseram para você.
Troca e acorda pro quanto se repete, como um disco riscado, todos os dias de sua vida.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Talento Intense

"Francês ou Italiano?", perguntava-se. Tentando, obsessivamente, lógico, encontrar razões que justificassem a escolha de um ou outro.

"Francês é quase universal. Além disso poderei ver todos os filmes franceses sem legenda. No dia em que viajar pra Paris me confundirei no meio do povo e..."

"Italiano é a língua dos meus antepassados, tão charmosa e ..."


Estava só, folheava livros ao mesmo tempo que pensava se a gripe passaria, em que roupa usaria e em como disfarçaria os quilinhos a mais que não se esforçava muito para perder, já que seus joelhos pesavam.

Desceu igualmente só, pretendendo comer o mesmo lanche de sempre : pão francês integral recheado com queijo branco e peito de peru. Logo de início sabia que o dia não era igual aos outros. Pediu de entrada dois pães de queijo, e já que estava só, deixou-se levar por outros casais e outros amigos.

Ao telefone o rapaz reivindicava uma transferência, em francês. Não sei de quê, em francês.

Por causa da agonia, e de estar só, e de não saber nem francês nem italiano comprou uma enorme barra de chocolate com amêndoas, prometendo-se apenas um pedacinho. Mas só um pedacinho não preencheria, em só um pedacinho não cabia tudo isso.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

É uma pena

"Repetindo, repetindo, repetindo como num disco riscado (...)
Cutucando, relembrando, reabrindo a mesma velha ferida (...)"

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Implica ação

Maria,

lembro-me de já ter dito que não acredito no destino, mas sim na causalidade (mesmo a desapercebida). Lembra-se?

Pois então, tenho começado a acreditar no azar, que, de alguma forma, não deixa de ter a ver com o destino. Topo com o dedão na pedra, perco dinheiro, brigo com chefe, sou assaltada, machuco o joelho, pego conjutivite, quebro o dente, tenho dores de barriga em horas inapropriadas - não que existam horas apropriadas pra isso, mas... Você deve saber do que digo.

Não tenha pena de mim, Maria. Falo de tudo isso pra ver se descubro a minha parte no que me faz sofrer.

Um beijo,

Judith.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Mais importantes

Faço e refaço contas pra no final celebrar uns cifrões que ainda me restam no quase meio de mês, e que nem sei se vão durar até o fim. É que contando eu não tenho tempo pras outras coisas mais importantes.

Leio as linhas brancas em fundo preto e tenho escotomas. Mesmo assim não deixo de ler, porque lendo não tenho tempo pras outras coisas mais importantes. E se me atacar aquela enxaqueca cegante acho que posso até descansar.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Custo

É a gratuidade que faz com que seja amor, dom do amor.
Mas o sistema era bancário.

Quanto custa um ouvido por cinco minutos?
Tento seduzí-la pra não ter que pagar, e também pra não ser cobrada.

Não tenho um "puto" no bolso, mas dou cinco minutos em troca.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Invenção

São três diferentes de mim. Três que se amam.
Mas eu resisto.
Re existo.
Existo duas vezes mais.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Ir

Maria,

agora há pouco meu pai me deu uns texto que escreveu há quinze anos atrás. São bons, Maria. Até que dariam um livro. Só me pergunto por que razão só agora os conheci. Já pensou? Escritor.

Outro dia, vasculhando os documentos da casa, que ficam numa pasta verde - e velha-, de plástico, achei um recorte de jornal já alaranjado, por conta do tempo. Havia uma foto dele, meu pai, bem jovem- de acordo com a data impressa tinha 20 anos-, cigarro na mão (naquela época não era imoral fumar, Maria) e uma entrevista. Ele contava do cursinho preparatório para vestibulares que havia fundado, e no qual também dava aula, numa cidade próxima da capital. Ousado, né?

E eu, minha amiga? Até quando pagarei mais caro por não agir?

Um beijo,
Judith.

terça-feira, 29 de março de 2011

No que dá?

Acordou angustiada, e suada, depois de um sonho recorrente.

Estava lá, mas não estava. Perdeu todo o tempo que lhe foi oferecido se tornando tudo o que não queria – teria perdido o tempo ou a oportunidade?

De repente uma escada rolante – eu escrevi rolando, mas e daí, ela rolava mesmo. Rolava pra cima. Do lado esquerdo uma enorme biblioteca-café (sabem?) com paredes de vidro. Lá dentro alguém, alguém que era tudo que ela não queria se tornar.

Não era à toa que a escada subia e deixava pra trás aquilo de que ela queria se afastar.

Nada se pode garantir sobre aonde a escada dá. É o “não saber” que faz o suor escorrer, é o abismo, é o buraco cheio de nada.

My Best Friend's Girl

Ele, um cafajeste que se apaixona, mas por pensar só saber ser cafajeste, assim como seu pai, decepciona a moça.
Arrependido, vai atrás do objeto de seu desejo.
A moça corria no parque. Era apaixonada pela corrida.

Ele, que fumava e não praticava esportes, mostrou um condicionamento físico invejável pra alcançar sua amada. Implorou seu perdão, mas ela disse que ele não gostava de ler nem de cinema, e, além disso, não se afeiçoava a nenhum esporte. Por essas razões ela conluía que ele não era capaz de se apaixonar por nada.

As palavras da moça ressoavam e ele descobriu, de repente, que não precisava repetir a história do pai, e que sua mãe era uma mulher romântica e fiel.

Viveram felizes para sempre.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Nota rápida e rasteira

Maria,

O que faremos do tempo não sei dizer, quanto menos da vida. Mas certamente, pra não deixar de ser alguém que gerundia, mesmo que contra a vontade, eu diria que tudo será no seu tempo. Vá caminhando, cantando, bebendo, caindo e levantando, se for possível.

Ando um tanto quanto entorpecida e emburrecida nos últimos tempos, por isso a falta de notícias, mas saiba que estamos num mesmo barco.

Um beijo,

Judith.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Um brinde!

A morte acompanha os exageros. Mesmo aqueles dos quais nos orgulharíamos de morrer a favor.

Morrer de amor;
Morrer de felicidade;
Morrer de rir e de dançar;
Aproveitar até morrer.

Quanta alegria!

Mas cuidado com o prosecco, pois ele pode realmente fazer deste dia o último - ou, no mínimo, com que você clame que seja!

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Dispersão

Do amor já escutei dizer que era uma escolha. E, afinal, o que não é?

Até então o imaginava como uma massa de fumaça, que, de repente, se instalaria no meu coração, e no coração ficaria, alojado. Tão eterno, tão etéreo.

(...) fumaça não é sólida.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Trocado

Com olhar infantil, a mulher, já formada, mendigava.

Lembrava-se da pergunta que fizeram pra ela há tempos: “Você ainda me ama?”, e viveu como se a vida fosse repetidamente isso.

- Você me ama?

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

E o desejo?

Maria,

já reparou como o homem é estranho? Não só o homem do sexo masculino, pois esse nós já sabemos claramente de sua estranheza, apesar dos atributos, mas todo homem, Maria.

Retomei minhas leituras psicanalíticas, pra me sentir menos estúpida, porque andei muito hedonista nos últimos dias - não sei porque comparo o hedonismo à estupidez, aliás, talvez eu saiba.

O gozo é além do prazer. O corpo entregue ao silêncio e à dor, e repete, mesmo próximo da morte. Terá isso tudo algo a ver com o hedonismo e a estupidez?

Um beijo,

Judith.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Tomé

Sempre pensei que fosse uma mulher de pouca fé.

Conversava com Deus só com uma quase certeza de que ele estava ali, mas era uma quase, sempre uma quase.

Com a psicanálise era a mesma coisa. Pego-me rindo quando lembro que, para mim, acreditar na análise era quase uma questão de fé, e eu tinha uma quase certeza de que dava certo.

Brincava que homeopatia só funcionava com muita fé. E eu, de tão pouca fé, nem ousava usar.

Tenho feito, hoje, todas essas coisas com tanta fé, que me desconheço. Tenho uma quase certeza de que elas sempre funcionaram muito melhor do que podia crer, só eu não via.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

"Meus irmãos, "

"É mais fácil pisar no pé de quem anda na mesma calçada do que no daquele que está do outro lado da rua.".

E depois de ouvir as palavras do pastor na pregação, voltou andando pra casa e tropeçou no próprio pé esquerdo.

Concluiu que era mais fácil pisar no próprio pé, então.