terça-feira, 30 de novembro de 2010

Go away

Maria,

e lá estávamos nós. Novamente. Nada melhor que a praia pra quem finge pensar. Mas nós não fingíamos, né? Aliás, eu falei sem parar. Esse é o meu jeito de não deixar o que falta comparecer, porque quando a falta vem, Maria, é difícil dar conta, e você sabe.

Você havia percebido como adquiri o hábito de fazer as unhas e dieta nos últimos meses? Então, roí todas. Mas não vou deixar tudo ruir assim. Até as músicas que a gente não deixa sair da cabeça não são por acaso. Os Gallegher não têm cansado de me dizer: "I don't wanna be there when you're coming down/ I don't wanna be there when you hit the ground (...)" - e nem eu.

Um beijo,

Judith.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Na contramão

Ela insistia nas perguntas. Mesmo nas perguntas para as quais escutaria as respostas mais esdrúxulas.

Oras, se não quer saber que não pergunte!

Fazia isso para se machucar e ter a desculpa de poder fugir da felicidade. Era crente, e ver a felicidade era como ver macumba na encruzilhada, dava medo. Até uma certa curiosidade, porque nunca se perimitira saber o que era direito, mas a culpa era maior.

Virava três esquinas antes.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Bordeando, enfim

Ah, mas ela já não é de carregar todo esse peso!
Não é mesmo.
Porque se resolve tomar pra si tudo o que ela mesma, e tudo que a antecedeu, impôs, está lascada.
É peso pesado.
Então vai tirando esse escafandro, Judith, porque chegou a hora de levitar.
Não deixa de pensar, mas pensa sempre que essas coisas foram feitas de dois, ou mais.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O Real

Desde o aborto ela conseguia fazer pouquíssimas coisas. Podia contar nos dedos de uma mão só: emburreceu, entristeceu, esvaziou, esvaiu-se em merda e foi parar sabe-se lá em que lugar.

Certamente num buraco vazio, sem nenhuma palavra pra bordeá-lo, cheio de "não seis" e "não quereres".

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Futebol

Maria,

tenho a impressão de que o tempo para nós já foi mais abundante. Havia mais dele para almoçarmos sem pressa, tomarmos cafés mais prolongados naquela padaria de costume... Já estamos em novembro! Enfim, caçemos com gato.

Ando com raiva daquela senhora sobre a qual tanto falamos e que até costumávamos admirar. Tenho a impressão que ela se tornou um grande livro de auto-ajuda ambulante, e eu, que sempre odiei livros de auto-ajuda, até cheguei a pensar na possibilidade de comprar um. E desisti, porque reparei como estes livros nos ordenam fazer milhões de coisas que não temos a menor condição de sustentar o tempo todo.

Amanhã é quarta, dia de futebol e chopp, topa?

Um abraço, com tapas nas costas, assim como os homens dão,

Judith.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Sonho - os próprios pés

Seus lugares permaneceram demarcados por anos na mesa. Era uma mesa embutida, e encostados na parede ficavam os filhos. O menino crescia rápido e se queixava cada vez mais do "apertamento" que sofria entre a mãe, a qual sentava do seu lado, e os azulejos.

No sonho dela era diferente. Ocupava o lugar do pai e o seu lugar vazio era preenchido com as suas idealizações - E os ideais existem? Pergunto-me. - Um casal amigo também tomava café, a bebida que move o mundo, segundo seu irmão.

De repente eles já estavam no aeroporto. Zeca Baleiro diria que "há mais solidão no aeroporto que num quarto de hotel barato (...)".

Ela se ausentou, e ao olhar para os próprios pés não eram os dela. Dois sapatos, não eram pares, não eram seus. Os pés não eram seus. Onde estão os pés da menina?

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Sintonia Fina

Maria,

você contou outro dia sobre gostar de escrever cartas. Eu, definitivamente, não consigo escrevê-las. Só e-mails. Escutei Nelson Motta dizer da liberdade que sentia diante de seu computador, olhando pela janela de seu apartamento no Rio, de camisa furada, podendo escrever do que bem lhe aprouvesse. Acho que é isso o que sinto. O papel e a caneta me intimidam, têm cara de gente que "permanece". Adaptei-me ao computador.

Sobre aquele convite pra Paris no ano que vem, aposto que percebeu na minha cara que não empolguei muito. São as tais dificuldades com os planos. Paris me encantou mais depois do filme de Cédric Klapisch, triste - e lindo, no entanto. O que será que pensariam se eu dissesse que Ibiza me atrai mais? Ou talvez eu diga isso por medo. Medo de Paris.

Não encaminhe este e-mail, sim?

Um abraço apertado,

Judith.