domingo, 30 de maio de 2010

O bom de ceder

Toda vez ele tentava conversar eu dizia que era mesmo daquele jeito e ele teria que aceitar e me aceitar assim mesmo. Chamava e eu dizia que não, que pra mim o melhor era ficar parada e não me mover nem um milímetro. Mas eu sabia que os planos dele - às vezes, porque não consigo ceder tanto assim - eram muito melhores do que os meus e que se eu não topava não era por não querer, mas por medo. E a gente brigava, porque ele nomeava o medo de egoísmo, mas eu também não dizia que não era. Parei com isso de não dizer e disse que era medo de gostar e de ser feliz.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Condição de todos nós

E quando alguém já disse o que você queria dizer?

"A solidão é meu cigarro
Não sei de nada e não sou de ninguém
Eu entro no meu carro e corro
Corro demais só pra te ver meu bem
Um vinho, um travo amargo e morro
Eu sigo só porque é o que me convém
Minha canção é meu socorro
Se o mar virar sertão, o que é que tem?
Dias vão, dias vem, uns em vão, outros nem...
Quem saberá a cura do meu coração senão eu?
Não creio em santos e poetas
Perguntei tanto e ninguém nunca respondeu
Melhor é dar razão a quem perdoa
Melhor é dar perdão a quem perdeu (...)"

Na voz de Zeca Baleiro, então, fica ainda mais parecido.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Concluideira

Ela começou aula de vôlei, basquete, judô e sapateado. Um dia, em que sua mãe estava no trabalho, até fugiu de casa, sozinha, para ir à aula de balé, porque, de tanto que gostava, não podia faltar. Logo logo parou. O bom, segundo os que a viam, era começar. Começou aula de jazz, jiu-jitsu, boxe, ginástica. Começou dieta, corrida, namoro, livro, aula de instrumento musical.

Apelidaram-na de "começadeira", mas ela não gostou, pois se hoje já não faz mais nada disso é porque houve um final.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

A palavra

Pra aplacar a angústia, uma cerveja ou um doce ao invés da palavra.

Houve um tempo em que, pra me preservar dos exageros, ou da felicidade que é escolher, o meu corpo me presenteou com uma tonteira permanente. Agora eu escolho a palavra, a melhor de todas as comidas, bebidas e remédios. Agora eu escolho.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Sonhos navais

Eu já a conhecia há tantos anos - desde os meus dois -, mas não conhecia quase nada dela. Sempre uma relação tão íntima e distante ao mesmo tempo... Todos os dias ela entrava no meu quarto e eu do dela nem sei a cor.

Um dia ela me contou que não gostava de cozinhar, mas adorava arrumar , e tinha dois sonhos: ou "enfrentar" a marinha ou ser caminhoneira, mas que nem por isso deixava de gostar do que fazia.

Imaginei-a franzina daquele jeito na marinha ou dirigindo um caminhão e pensei que do outro a gente até supõe, mas sempre se surpreende.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Santa tristeza!

Dona Maricotinha era boa demais da conta ou sofria de algum mal sério mesmo. "Nunca tive uma tristeza nessa vida, e, se tive, não lembro!". Pelo que me confidenciaram ela espalhava por aí que seria canonizada pela Igreja Católica Apostólica Romana e fazia até competição de reza com as irmãs da paróquia.

Eu sempre desconfio de tanto júbilo e tanta santidade. Longe de mim duvidar de Deus e da alegria, mas é que a tristeza é do homem, a tristeza tem que poder ser vivida.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Just sing sing sing

Certa vez comentei que gostava de cantar, e isso não é de hoje. Ando cheia de decisões e fiquei pensando nos sonhos e habilidades que achava não ter, mas até que agora me dou o direito.

Quando era criança tinha todos os meus aniversários filmados. Engraçado (ou triste) é que só deixei de fazer festa depois de grandinha.Em uma dessas, acho que na de dois anos, lá estava: cabelos bem curtinhos e provavelmente bem suados e grudados na testa, um microfone de madeira verde e amarelo, que mais parecia um pirulito, em uma das mãos - lembro-me claramente dele, incrível! -, pezinho em ponta, com perninha esticada pra frente e olhos fechados. Ridiculinha e fofinha.

Alguém do fundo gritava "Canta romântico!", e eu maravilhosamente dublava a música. Sempre soube que levava jeito.