terça-feira, 5 de maio de 2015

Helino

"Mas é claro que me lembro de Helino!", ele afirmou.
"Somos uma família só, e é todo mundo daquelas bandas de lá."

Sua fala parecia ainda portar uma interrogação, como quem tentava resgatar o semblante de Helino. Por fim, disse que quem conhecia todo mundo era mesmo Florentino, seu irmão mais velho, que já morreu.

Sua voz embargou na hora.

É, meu velho, sabe que é com que você que mais me preocupo?
Ela parece frágil, mas sorri com cada descoberta:  "Olha aqui, meu velho, essa aqui é filha do Gutinho!".

A gente sofre, afinal, é de saudade, é de lembrar.

terça-feira, 7 de abril de 2015

Você

     O vento de ontem fez tremerem as janelas, e tive medo. Medo pois estava só, e não saberia o que fazer caso elas quebrassem. Ele uivava ao passar pelas pequenas frestas entre os vidros, e por isso, ainda me fazia alguma companhia sonora. Estava silêncio demais para suportar a sua ausência. Todas as músicas me lembram você e a nossa história, num capítulo feliz ou não.

sábado, 14 de março de 2015

Abobrinhas

Maria,

você sabe bem que tem gente que, na vida, vai arrumando motivos pra não avançar, não é mesmo?
Diz que não sabe daqui, dá um jeito de não fazer dali, e a vida vai, meio capenga, mas vai.

Vi que você foi corajosa toda vida. Logo saiu de casa, e, sabendo fazer arroz ou não, já tinha a convicção de que isso era coisa pequena, e que essas coisas a gente aprendia depois. E eu, que era cheia de medo, logo vi que era possível, bastava parar de pensar em abobrinha.

Por isso, com essa abobrinha toda, fiz hoje um prato bem bonito, que vou te servir também, em agradecimento, na próxima vez que  vier me visitar.

Abraços saudosos de quem quer voltar a se corresponder,

Judith.


terça-feira, 15 de julho de 2014

Mulheres... de Esparta.

Melhor, para ela, seria que eu fosse uma outra. Uma outra qualquer, não interessa. Ou talvez que eu estivesse tão bem ou melhor que qualquer outra, tanto faz. Mas não eu, nunca eu.

E quando eu dizia que ia embora pra ser feliz, ou triste - quem sabe? - ela falava que iria me visitar, mas só pra ver os defeitos da minha casa. Ou se a minha casa era tão boa quanto a de outra qualquer, não interessa, tanto faz.

Ao me observar caminhando, pra tentar expurgar um pouco do que enrigece o meu corpo e queima as minhas entranhas, ela disse: "Pois na minha idade, você não vai conseguir fazer isso." 

Saiba, portanto, que eu vou fazer enquanto eu conseguir.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Mulherzinha

Juliana me ensinou que uma moça jamais deveria sair de casa sem batom. No meu aniversário de 12 anos descíamos de elevador para chegar ao playground. Lembro-me de, na ocasião, usar muitos anéis, mecha loira no cabelo, roupas pretas e aparelho ortodôntico. Ali, no elevador, Juliana perguntou se eu não passaria nem um batom. "Não", respondi, mas achei que devesse passar.

O que eu não teria conseguido nessa vida com um pouco de batom...

sábado, 8 de junho de 2013

Carta para Deus


Deus,

Hoje acordei convicta, feliz e um pouco nervosa. Senti-me um pouco na obrigação de falar algo bonito e surpreendente hoje à noite, mas estou agora me desobrigando. Ao invés de dizer algo que precise ser bonito, prefiro só dizer de mim para você.

Fiquei a me perguntar: por que nervosa, se feliz e convicta? E acho que tenho algumas suposições. O Senhor sabe como minha vida, nos últimos seis meses, tem sido diferente. É difícil crescer, mas sinto que cresci dez anos em cada mês destes seis. Uma das tarefas, ao mesmo tempo,  mais necessárias, importantes e difíceis do homem, é “sair de casa”. Esta minha casa é muito convidativa, apesar de nos dias mais aborrecidos eu bater o pé pelos corredores dizendo que nunca queria ter lá nascido – falo só da boca pra fora. Você viu como fui bem cuidada e protegida. Nas noites de pesadelo escutava sempre: “Eu estou aqui, nada vai acontecer!”  e nos dias de achar que nada daria certo: “Não se preocupe, eu cuido disso!”

É preciso voar. Uma amiga que encontrou meu pai no supermercado esses dias riu ao me contar que ele disse que eu precisava “sair pra vida”, é mesmo preciso sair. É preciso sair com alegria.

Crescer implica em escolher e também arcar com as escolhas. Antes de conhecer o que era o amor, eu nem sabia que podia escolher.  Achava que a gente devia receber qualquer coisa, e com essa coisa qualquer se conformar.  

Não há ninguém que vá me dizer: é agora, é ele! Talvez por isso o nervosismo. Mas há razões consistentes – para mim - que me fazem afirmar que ao lado dele, Marcos, é onde eu quero estar:  sua sensibilidade – ele, chora, e isso me encanta!, sua disponibilidade de falar olho no olho, a falta vergonha de, quando necessário, se mostrar fraco e dividido, ao mesmo tempo a sua força e sua capacidade de insistir no seu desejo – algo que espero aprender com ele todos os dias. As razões, no entanto, não estão só nele, há algo em mim. Há em mim, por estar ao lado dele, uma vontade enorme de me tornar alguém melhor! Minha mãe me ensinou que eu nunca deveria me conformar com nada menos que isso.

Hoje é um dia especial, pois é dia de marcar a intenção de sermos, eu e Marcos, dois, pois o Senhor diz que é bom sermos dois, e ao mesmo tempo um.  Um em dois que buscam mais intimidade contigo, que procuram ser o melhor que puderem, que se empenham em tratar de suas lacunas e repetições a fim de serem felizes e parceiros, na alegria e na adversidade.

Obrigada por este dia, obrigada pelos outros que estão por vir.



Natália.

domingo, 24 de março de 2013

Carta de amor


Meu amor,

Quero contar-lhe minha história, pois a nossa é tão curta, e nessa nossa voracidade de viver, não consigo dizer.  

Dizer-te meu amor, que ao longo destes meus vinte e poucos anos marquei meu corpo, marquei-o nos momentos em que queria celebrar a minha liberdade, a minha liberdade de escolher. Veja só, amado, que eu não sabia nem que podia escolher e achava que a gente devia receber qualquer coisa, e com essa coisa qualquer se conformar. E tatuei, na carne da costela, que se expande cada vez que respiro, mas não me lembro disso todas as vezes que o faço. Escolher.

Marquei-o centenas de vezes, uma delas com asas de borboleta, que se transforma, que quer voar. Borboleta boa é aquela que mimetiza, esperta, se confunde pra não ser devorada.

Marco também o meu corpo dando nós no estômago, perdendo a visão, tonteando diante da vida. Apavoro-me com a felicidade, sabia? Não aprendi como ser uma mulher feliz.

Quero me inventar, minha vida! Quero inventar pra mim uma vida pra poder me emaranhar na sua sem me perder.



Com amor,
Natália.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Sobre o patético de ser um fã

O anonimato faz de todos nós uns pobres coitados, fadados ao insucesso, jamais objetos do amor do sujeito ídolo, idealizado.

Pela inveja nos unimos, na impossibilidade de sermos amados tornamo-nos um.
Mas é só porque você não pode ter também que eu te quero perto, amigo.

Durante aquela música, eu sei que você cantou pra mim,
Sei que você quer me adicionar nas redes sociais,
Sei que me acha a mais bonita dentre todas as que te adoram,

Mas sei que me ignora pra me proteger da solidão,
Faz parte do seu show,
Faz parte do seu show, meu amor, meu amor...

terça-feira, 9 de outubro de 2012

In memorian

Ainda sonolenta, fito, de dentro do carro, o rapaz e suas duas crianças sendo molhados pela água da poça que o motorista não viu.
Prefiro pensar que foi acidental.
Tenho vontade de chorar, mas não vou, demorei-me demais na confecção da minha maquiagem.
Consegui um traço perfeito com o delineador.
Todas as manhãs eu pinto a cara que é pra colorir um pouco a crueza da vida.
É difícil enfrentar o mundo de cara limpa.

Soube que o moço piadista, que queria viver, morreu dormindo, virado pro canto, e coberto.
Coberto de razões pra não ter partido - os corações.
Penso em chorar, e desta vez eu vou.
Diferente do que fiz quando vi as roupas das crianças enlamaçadas, a moça perder o filho, o senhor perder a memória, e por consequência a vida, já que tenho minhas dúvidas de que ela seja mais do que isso.

Memórias.

Também se morre delas, pois numa tentativa incessante de querer ser o que poderia ter sido, jamais se vive.
Ou, vive-se como se tivesse morrido.

O amigo do moço disse, a respeito dele, que enfrentar era uma espécie de "hobby".
Me ensina, moço, me ensina.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Valsa(lva)

Com um coração de quem ainda não nasceu, tropeço na - permitam-me o esdrúxulo jogo de palavras - Valsa(lva) da vida. Procurem no google.
Todas as noites sentindo que o que ele quer é sair pela boca, preciso transformá-lo em palavra.
Gostaria de ver gente feia, tomar uma cerveja na lata suja, sentir um pouco do cheiro do cigarro que nunca vou fumar.
Merci!
Aprender meia dúzia de palavras em francês, pra entender Lacan no youtube, e outra meia dúzia em alemão também, pra não depender da tradução do Joaquim nas leituras.
O Joaquim sabe a hitória de todas as tribos primitivas do mundo, toca instrumento de música Indiana, é mestre e mergulha.
Aonde se compra esse coração, Joaquim?

domingo, 30 de setembro de 2012

Aceite esta valsa

É a lua cheia. São as eleições, lembro-me do mesmo vento.
A moça dizia que era o jeito do raio de sol incidir na calçada, e ela aceitava, era preciso coragem.
Já nem sei como se chama aquela palavra, que dizem só haver no português, I miss that time so much.
Se todos soubessem o que há debaixo do rosto maquiado de cada moça dessa cidade. Mas elas são fortes, aceitam a valsa.
A valsa da vida.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Coração bobo, coração bola...


Oi Maria,

Há quanto tempo não te escrevo, não é mesmo? Estava muda!

Descobri tantas coisas nos últimos tempos que estou esburacada. E esburacada mesmo, literalmente. Tenho um buraco no coração, coisa que todo mundo tem antes de nascer, mas pra alguns não fecha nunca. Será que é porque ainda não nasci de verdade, Maria?
 
Fiquei pensando no monte de coisas que a gente nem sabe ao longo da vida, porque eu poderia nem ter descoberto, mas agora sabendo, é irreversível, tenho medo. Disseram que a única coisa que eu não posso mesmo fazer na vida é mergulhar, e nesse momento, agradeci a Deus por nunca ter sonhado com isso. Agradeci a Deus também por ter ganhado uma bicicleta no aniversário e já ter reaprendido a andar, com destreza, e modéstia também.

Sinto informar, minha amiga: todo mundo vai morrer um dia, mas é preciso esquecer disso um pouco pra poder viver. Afinal, a gente morre de queda, de caganeira, jogando futebol, de picada de bicho, nunca se sabe.
 Só imagino que, amando e vivendo a vida, de buraco a gente não morre. Né?

Um beijo,

Judith.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Como água

Devolva-me as palavras, pois antes mesmo de chegar ao "perdoai as minhas dívidas" já adormeci, sono profundo.
Perguntei ao mais moderno aparelho eletrônico qual era o sentido da vida e ele me respondeu : All evidences to date suggests it`s chocolat. Então eu comi, me empanturrei, sem colocar ali uma palavra sequer.
Minha corpulência é meu único baluarte.
 Meus passos pesados, uma cavalaria anunciando minha chegada, e assim, mesmo tímida, nunca passo desapercebida

 What`s the meaning of life? Não nos deixeis cair em tentação...

terça-feira, 15 de maio de 2012

Consolo

“Vamos, não chores A infância está perdida A mocidade está perdida Mas a vida não se perdeu O primeiro amor passou O segundo amor passou O terceiro amor passou Mas o coração continua Perdeste o melhor amigo Não tentaste qualquer viagem Não possuis carro, navio, terra Mas tens um cão (...)” Ah, Drummond, acho que são só as suas palavras que posso oferecer, porque eu mesma já não posso lá estar - "toda ouvidos".

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Vamos sair pra ver o sol

E na escola te ensinam que que “o homem nasce, cresce, reproduz e morre”. No meio disso o homem apanha, chora, pede peito, rasga o livro, põe o dedo na tomada, baba, não precisa mais de fraldas, fala! Come bolinho de chuva, canta de olhinhos fechados embolando as palavras, brinca de ser super-herói, faz teatro, morde o priminho, faz prova, balé, natação, vôlei, jiu-jitsu, dança, beija pela primeira vez, pela segunda vez, pela terceira vez, chora por amor, porque brigou, foge de casa com uma maçã e um gibi do Chico Bento, imita sua mãe, pede proteção do pai, bebe, se arrepende, estuda, encena, seduz, trabalha, beija pela décima vez, mente e odeia. E se deixa de realizar o seu desejo, diz que é para o bem, e bem de quem?