terça-feira, 9 de outubro de 2012

In memorian

Ainda sonolenta, fito, de dentro do carro, o rapaz e suas duas crianças sendo molhados pela água da poça que o motorista não viu.
Prefiro pensar que foi acidental.
Tenho vontade de chorar, mas não vou, demorei-me demais na confecção da minha maquiagem.
Consegui um traço perfeito com o delineador.
Todas as manhãs eu pinto a cara que é pra colorir um pouco a crueza da vida.
É difícil enfrentar o mundo de cara limpa.

Soube que o moço piadista, que queria viver, morreu dormindo, virado pro canto, e coberto.
Coberto de razões pra não ter partido - os corações.
Penso em chorar, e desta vez eu vou.
Diferente do que fiz quando vi as roupas das crianças enlamaçadas, a moça perder o filho, o senhor perder a memória, e por consequência a vida, já que tenho minhas dúvidas de que ela seja mais do que isso.

Memórias.

Também se morre delas, pois numa tentativa incessante de querer ser o que poderia ter sido, jamais se vive.
Ou, vive-se como se tivesse morrido.

O amigo do moço disse, a respeito dele, que enfrentar era uma espécie de "hobby".
Me ensina, moço, me ensina.

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